quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Vi.zinhas



Na minha rua existem outras pessoas além de mim,
Pessoas com vidas, sim.
Pessoas com filhos, também.

Pessoas mais discretas, talvez.
Por serem menos pessoas por metro quadrado, por serem mais velhas, por serem quadradas, altas ou magras, não sei...Mas existem pessoas.

A primeira vez de que me dei conta da sua completa e total existência foi na primeira vez que tive de lançar um "grito" aos miúdos tal qual isco ao rio, enquanto uns fugiam cerca "afora", outros largavam o cão para caçar os gatos e outros apertavam de tal ordem o coelho que, no meio do caos de usarem, abusando da liberdade que lhes dei; Sim; EU GRITEI!

X'o! Pisguem-se ! TODOS lá para dentro!!!

...depois veio o ligeiro remorso, não por gritar e isto julgo que só entende quem vem ou tem" uma família numerosa ou quem vê, porque gosta, muitos filmes italianos, senti remorsos sim por incomodar. A vizinhança ouviu com TODA a certeza o meu grito de Leão, senti sim "vergonha", por sermos tantos, imensos, por ocuparmos tanto espaço, por fazermos tanto barulho, por existirmos com vida no corpo, nada "zen", apenas reais, de carne e osso, por fazermos, sim, uma tentativa imensa de existir e co-Existir na consciência (e tê-la não é, de todo, um trabalho Zen é um trabalho de aceitação do que REALMENTE SOMOS , com sombra e tudo), por mudarmos a energia dos interiores, por povoarmos e clonarmo-nos o mundo com imensos mini meus, por falarmos todos ao mesmo tempo, atropelando-nos, existindo como um rasgão, ousando, gritando, discutindo ideias, conceitos, injustiças, opiniões. Vivendo-nos intensamente... foi nessa altura que pensei que talvez fosse boa ideia ir de porta em porta apresentar-nos e pedir prévias desculpas pelos dias que estão prestes a vir, pela nova realidade nesta terra; nós chegámos e viemos para ficar e nós não somos propriamente poucos, nós não somos propriamente os "melhores" vizinhos; se é que tal coisa existe; somos um género... O género dos que fazem barulho... Não há musica depois das 22h mas a vida acontece e acontece, sobretudo no jardim que dá para a rua...

Enfim, os pensamentos fluíam como água mas a pergunta principal que ecoava e ressurgia era .:

- Porque raio me hei-de sentir mal por sermos TANTOS?
Por OCUPARMOS espaço?

Isto é uma pergunta que, por esta altura, já estava gasta na minha mente, já escrevi, inclusive, sobre isso mas n'Aquele dia fui mais fundo...

Um dia...Um dia li um livro... e só Deus sabe o quanto me marcam os livros, os filmes, as músicas ...
o quanto me sacodem, abanam, e ficam entranhados debaixo da pele. É uma "espécie" de experiência multi dimensional porque subitamente eu Sou as personagens, cada uma delas, eu calço os seus sapatos e caminho sobre os seus pés e tudo isso e somente "" isso faz-me compreender outras situações de vida, outras maneiras de ver o mesmo problema, outras maneiras de reagir, tudo isso e somente "" isso faz-me sentir compaixão pelas historias alheias e esse livro era e é porque ainda existe o livro "os pássaros feridos", subitamente eu relembrei cada palavra escrita e descrita por aquele filho mais velho, daquela enorme família... como ele via a mãe, "porca", "suja", por ter relações com o pai que se traduziam no nascimento contínuo de filhos, um atrás do outro e compreendi o quanto isso me chocou na altura, ao ponto de subliminar e esquecer, antes de eu ler esse livro não me passava pela cabeça olhar para os filhos e ver, realmente, de onde eles vêm, julgo que fiquei presa na historia da virgem Maria, das cegonhas, e da "perfeição" que tenta esconder o que é.

Ora eu fui educada numa escola católica onde me falaram e educaram com a sensação real e física de que ter relações sexuais é uma espécie de pecado mortal e só mais tarde, bem mais tarde, compreendi que nós vimos dessas mesma relações, sem elas não existiríamos, então; conclui que, na minha cabeça, na altura pequena e ingénua, guardei a mensagem subliminar de que como "nós, seres Humanos, vimos DO pecado; Nós somos "efectivamente" O pecado em si...

Assim sendo porque me haveria de sentir bem aos olhos dos outros com tantos filhos?
Sinto-me, injustamente, como O pecado em si pois quatro vezes pari.

Enfim, respirei e dei graças a mim, afinal de contas descobri mais um nó, um nódulo importante para limpar, que me andava a entupir e nestas voltas e reviravoltas da mente atiçada ao mar, tal qual onda que parte, fraqueja, almeja e redonda retorna ao centro de onde partiu ouvi a porta.

- Quem é?

- "É a Teresinha, sua vizinha..."

Oh jesus! Que quer esta gente de mim?! - pensei.

Saí. Enfrentei mas ao invés de uma crítica dei com um sorriso largo. Um abraço acolhia o meu medo, a minha dúvida, a minha mente por vezes "demente".

- "Olhe, é só para lhe dizer que se alguma vez se sentir mal chame-me, sim? Eu também tive quatro filhos e bem sei a loucura que é. Tantas noites mal dormidas ou não dormidas de TODO, tanto caos, tanto grito, tanto choro, tinha dias que me sentava no sofá a dar de mamar e corriam-me as lágrimas cara abaixo por me sentir má mãe, por gritar, por os educar, mas sabe, tem de ter mão firme porque é na adolescência que tudo se vê, agora são queridos, como os cãezinhos mas se não os educar está tramada, não se sinta mal, está bem? É o que é. Tem de dormitar, nem que seja 10 minutos por dia, ao longo do dia, às vezes é o suficiente para se sentir melhor..."

- Sim...

Será que ouviu os meus pensamentos?
De onde vem esta gente?! Deus existe e os anjos também.

Arquivei os meus medos com a afirmação interna;

Foi só um livro, Foi só um livro... e segui, a minha vida, calmamente.

Claro está que a vida não é só "a parte boa" e eu não estou aqui "" para iludir ninguém; 40 minutos depois vem uma outra vizinha, esta chateada, sim, porque os miúdos soltaram o cão este infiltrou-se num jardim alheio, estragou um canteiro e tentou atacar sexualmente :) (ironia ou não?) o cão dela...

- "Será gay?" - perguntou-me discretamente""

- Não sei se o Sebastião é gay, foi adoptado há pouco tempo e sabemos muito pouco sobre os hábitos e costumes dele (juro que respondi assim) mas garanto que terei o dobro do cuidado para não o deixar solto a incomodar.

- "Sebastião???! Isso é o nome do MEU filho!"

- Desculpe... Já tinha este nome e é o único nome ao qual reage.

A senhora foi embora, bastante irritada, mas vendo bem ela tinha todo o ar de andar muitas vezes irritada...quis a vida mostrar-me que terei sempre os dois lados, os que apreciam e os que não.

Fazer o que?
Deixar de ser quem sou?

Agradar Gregos e Troianos?

Sempre fui muito mais inclinada para e pela Grécia...

Lamento.


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