22 de Junho . 16.45 h
No dia em que eu morri eu tinha trinta e dois anos quatro filhos e apenas um marido. Estava de férias, em luta interna, no interior do Alentejo .
Sem saber o que fazer com o tempo que sobeja quando não há rede telefónica. A regressar às origens onde nunca pertenci. A relembrar o que fui mas que nunca esqueci. A Carminho acordou da sesta a berrar .
Berrava na sesta como ja berrava de há umas noites para cá. Ouvi-lhe o desespero junto da voz do meu marido, cansado, ralhava-lhe comedido.:
"Não faças fita, que refilona..." E foi aí, exactamente aí, que abri a porta e vi; a criança semi-adormecida, chorava mas de olhos fechados, agarrada ao peito tal qual uma viúva antiga, peguei-a ao colo, encostei-a a mim e entendi o que hoje escrevo; naquela tarde morri.
A minha bebé perdeu a ingenuidade e eu não o vi. O nascimento da Irmã, ainda recém-nascida, partiu-lhe a alma, rasgou-lhe o peito e a criança n'ela, chorava, berrava, olhos fechados. pesadelos... Falei-lhe.: "Perdoa- me minha querida filha..." tudo se desenlaçou; ela confiou; permitiu-se sentir tudo e ainda mais; Afundada numa tristeza insólita, os olhos fechados revelavam-lhe os medos. Medos internos. Medos de me ver partir... chorou e chorou; não uma nem duas mas três vezes, sempre Comigo e eu Com ela; Com ela, para ela e por ela. Fechamos o circulo e no fim suspiramos e sorrimos, conseguimos. acho que realmente conseguimos enterramos a culpa para lá do sol posto e adormecemos já de noite e de mão dada .
Hoje e para sempre a tua nova mãe. Mais atenta e tua amiga.
Sem comentários:
Enviar um comentário