terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Um natal real


O natal foi conhecido, em tempos, pela noite do silêncio. Deveria ser assim.
Hoje fiz o que fazia antes de casar e ter casa própria onde pousar, fui andar a pé até o sol desaparecer. Fui olhar, ver, algumas verdades que ficam coladas nas paredes da rua mesmo depois de esfregadas; sozinhas; sem outro sítio onde estar; deitados na sua própria tormenta , acorrentados na sua própria demência. 

Corri o metro com as minhas filhas; dei de caras com uma menina; adolescente, de pele branca-cal, sobrancelhas rapadas, cabelo preto-negro-corvo e ... A cara auto-mutilada, num corte longo e perfeito, geometricamente estudado, debaixo dos olhos, ainda cozido, semi-cicatrizado. O seu primeiro instinto ao ver-me carregada com bebés foi sorrir mas rapidamente escondeu-se, envergonhada, debaixo do seu papel de "má". Que dor tão profunda escondem pessoas assim? De que se querem defender e Porque fugimos, nos, humanos, de pessoas "iguais" que suplicam por ajuda destas maneiras tão bizarras de mostrar o quão estão mal; que precisam de ser vistas, tocadas, olhadas. Era apenas uma miúda, uma menina como as minhas, possivelmente zangada, com o natal... sozinha continuou, "indefesa", sentada no chão, arrumou "pacificamente" a mochila cheia de cereais enquanto eu a olhava; deu-me vontade de gritar.:

- Onde está a merda da tua mãe?! O que te fizeram? Como te fizeram? Onde te fizeram?!

O meu coração rasgou-se em mil pedaços, tal-qual boneca de trapos que ultimamente estou. Remendando-me levantei-me, dei a mão as minhas com uma promessa divina que as vou amar sejam como forem; estruturei-me; destruturando-me e  disse-lhe adeus; não respondeu.

Não sei se chorei mais por mim ou por ela mas chorei.

Que Deus nos guarde de tão trágico fim. 

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